O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) confirmou números “extraordinários”, como havia antecipado o ministro Rui Costa (Casa Civil), ao mostrar a criação de 306,1 mil vagas com carteira assinada em fevereiro. O número veio bem acima da mediana apurada pelo Broadcast, de 232,5 mil, e acrescenta ingredientes ao debate que o Banco Central trouxe ontem.
O Comitê de Política Monetária (Copom) dedicou um parágrafo inteiro da ata sobre a última reunião para apresentar a discussão na reunião da semana passada em relação ao mercado de trabalho.
Em linhas gerais, o colegiado do BC avalia que as pressões salariais podem ter um potencial impacto sobre a inflação de serviços. Essa é que o Copom acompanha com mais atenção, já que ela apresenta pouca volatilidade sazonal – ou seja, quando os preços dos serviços sobem tendem a não voltar. Logo eles são o grande termômetro para a inflação.
Um setor de serviços aquecido por um maior nível de ocupação (e de salários) é, claro, uma boa notícia para a economia. Mas não para a política econômica: ela eleva incerteza sobre o nível terminal da Selic.
Aliás, a palavra “incerteza” e suas variações – como “incerto” ou “incertas” – aparece 17 vezes no documento da autoridade monetária divulgado na terça-feira (26). E os dados econômicos conhecidos desde então mostram um cenário doméstico mais nebuloso, fomentando o debate sobre o tamanho dos próximos cortes no juro básico.
Além do Caged, divulgado nesta quarta-feira (27), o IBGE informou ontem que a prévia deste mês do índice oficial de preços ao consumidor (IPCA-15) desacelerou a 0,36%, ante alta de 0,78% em fevereiro. O resultado ficou acima da expectativa do mercado, de 0,32% – e também joga contra a manutenção dos cortes na Selic.
Serviços e mão de obra
A abertura do dado de inflação mostra uma surpresa altista nos serviços subjacentes (como hotéis e streaming), e intensivos em mão de obra (manicure, encanador…). Cálculos de diversas instituições indicam: enquanto a alta nos serviços subjacentes foi de 5,2% em 12 meses, a de mão de obra intensiva avança 6,40%.
“Isso confirma o sinal de um mercado de trabalho ainda pujante”, afirma a estrategista de inflação da Warren Investimentos, Andréa Angelo. Ela ressalta que a projeção tanto dos serviços subjacentes quanto dos intensivos em mão de obra para o fim deste ano ronda níveis próximos a 6%, representando uma aceleração em relação a 2023.
“O problema é que ‘o diabo mora nos detalhes e, nesse caso, ‘o detalhe’ atende pelo nome de ‘serviços subjacentes’”,
— LUÍS OTÁVIO LEAL, ECONOMISTA-CHEFE NA G5 PARTNERS
O economista ressalta que esse item mensal desacelerou na base mensal, passando de 0,65% em fevereiro para 0,40% em março. Ainda assim, ficou acima da previsão do mercado, de alta de 0,33%. “Isso não reduz as dúvidas do BC sobre o comportamento desses itens externadas na ata”, diz Leal.
No documento, o Copom ressalta que “a recorrência de surpresas na inflação de serviços suscita dúvidas sobre a velocidade da desinflação”.
“A inflação de serviços ainda não opera em valores condizentes com os objetivos do BC”, ressalta Luca Mercadante, economista da Rio Bravo. Daí porque a condução da política monetária requer cautela, uma vez que o Copom tem de lidar também com uma economia ainda aquecida, “com dados de atividade resilientes e um forte mercado de trabalho”.
Detalhes favoráveis
No entanto, há quem enxergue um copo meio cheio nessa história toda, completando o copo ‘meio vazio’ do Copom. Apesar de não ver o resultado como um todo do IPCA-15 tão favorável, o analista de estratégia macro da BGC Liquidez, Rafael Costa, enxerga alguns detalhes mais ‘favoráveis’ na composição do indicador.
Entre eles, a deflação nos preços industriais e a média dos núcleos. Todos, segundo Costa, não vieram muito acima do esperado. Na mesma linha, a economista-chefe de Brasil da Galápagos Capital, Tatiana Pinheiro, ressalta que a abertura dos números do IPCA-15 é “bastante benigna”.
Ela chama a atenção para o índice de difusão, que sugere o quanto a alta dos preços está disseminada por diferentes produtos e serviços. Quanto menor o índice, melhor. Em fevereiro, ele estava em 60,49%. Agora, em 54,50%.
“Esta abertura dos dados de inflação contribui para dirimir as dúvidas do Copom com relação à dinâmica de inflação à frente, explicitadas na ata da decisão de março como uma das fontes de incerteza”, afirma Tatiana.
Bottom Line
É cedo, portanto, para afirmar que ao nível terminal da Selic será mais perto dos dois dígitos do que de 9,0%. O que ficou claro, após os dados desta semana, é que o BC está mais dependente de dados, a começar pelos do mercado de mercado. A sorte está lançada.
Fonte: InvestNews