Adeus ao juro de um dígito prolonga a via crucis das empresas

Desde que o sistema de metas de inflação foi adotado, em 1998, o Brasil teve taxa de juros de um dígito em três ocasiões apenas: 2009/2010, 2012/2013 e, mais recentemente, entre 2017 e 2022. Nessa última fase, bem mais longa que as anteriores, pelo menos metade do tempo de juros baixos foi um oferecimento da pandemia.

O ano de 2024 prometia encorpar essa estatística. Até poucas semanas atrás, economistas acreditavam que a Selic cairia abaixo de 10% ainda este ano. Mas aí vieram mudanças no quadro fiscal, começando pela alteração da meta de superávit primário para 2025 e 2026. E, com elas, uma piora geral das expectativas dos economistas e empresários. Conjuntura que deve resultar na interrupção do ciclo de corte de juros na próxima quarta-feira (19). Já tem gente apostando que a taxa vai ficar estacionada em 10,50% até o fim do ano que vem.

Mas será que faz tanta diferença ter um juro de 8%, 9% ou de 10,5%? Para as empresas, sim. Logo de cara, o juro alto eleva o custo financeiro de quem tomou dívida atrelada ao CDI. O estoque de debêntures que seguem o juro básico da economia é de aproximadamente R$ 600 bilhões – logo, varia em R$ 6 bilhões a cada ponto percentual da Selic.

O efeito negativo vai além. O financiamento de prazo mais longo não só fica mais caro como mais raro – os bancos se tornam muito mais seletivos para emprestar quando o juro está alto.

E o mercado de ações, que poderia ser uma alternativa para captar recursos, não está disponível. Tanto é que o Brasil não vê uma nova oferta primária de ações (IPO) desde agosto de 2021. Nem em 2015, quando o país enfrentou uma recessão e um impeachment, a bolsa viu uma seca de IPOs como essa.

O que tem acontecido são follow-ons (ofertas subsequentes) em que os próprios acionistas colocaram dinheiro nas empresas, ou fizeram aumento de capital com o objetivo de sanar dificuldades. Foi o caso das ofertas de Oncoclínicas, Magalu, Ambipar e Marisa.

E tem um grupo de empresas com um nível de dificuldade maior. Para essas, o caminho é a Recuperação Judicial. Não à toa, o número de pedidos de RJ cresceu 80% em 2023, e promete mais uma expansão relevante para este ano.

Reflexo também de um PIB errático – o último período com quatro (ou mais) anos seguidos de crescimento foi entre 2010 e 2014.

“É um problema crônico que mostra seus efeitos no longo prazo”, diz Carlos Fadigas, fundador da CF Partners e ex-CEO Braskem. “Tivemos juros baixos apenas por breves períodos. E não conseguimos crescer por quatro anos consecutivos.”

O que está em cena é uma espécie de espiral negativa. O juro não cai porque a falta de controle fiscal mantém a inflação, e as expectativas a respeito do futuro dela, sob pressão. Isso afasta o investimento de longo prazo e limita o chamado PIB potencial – a capacidade do país crescer sem gerar distorções na economia. Aí, quando a economia tenta reagir, a inflação avança, a expectativa sobre o futuro dos juros sobe. E o investimento é adiado de novo, retroalimentando o ciclo vicioso.

O Brasil, observa Fadigas, investiu 16,5% do PIB em 2023. Emergentes como a Índia e Coreia investiram quase o dobro: pouco mais de 30%.

 

Fonte: Invest News