De tempos em tempos, o status do dólar como principal moeda de reserva internacional é colocado em questão. Foi assim na crise financeira global de 2008; durante a política de quantitative easing [compra de ativos para injetar dinheiro na economia], concluída em 2014. Nesse meio tempo, em 2011, a crise fiscal dos Estados Unidos atingiu um ponto crítico e o país perdeu a posição de ‘AAA’, nível mais alto de selo de bom pagador, pela agência de classificação de risco S&P.
Essa discussão voltou à tona quando Trump começou a guerra comercial. Nesse vai e volta de medidas contra alguns de seus parceiros comerciais, a previsibilidade e a segurança jurídica do país foram arranhados. E isso pode tirar um tanto da confiança – de investidores e, principalmente, dos grandes bancos centrais do mundo, os principais detentores dos títulos do Tesouro americano – em carregar ativos atrelados ao dólar.
Isso ajuda a explicar a recente desvalorização da moeda americana: o DXY, índice que mede o desempenho do dólar em relação a uma cesta composta por seis das moedas mais estáveis do mundo (iene, euro, libra esterlina, dólar canadense, coroa sueca e franco suíço) cai 8% no acumulado do ano.
Por aqui, o dólar fechou em alta de 0,35%, a R$ 5,66, na quinta-feira (22), reagindo ao anúncio do governo de aumento da alíquota de IOF para 3,5% nas transações cambiais com cartão de crédito, de débito e pré-pago. Ainda assim, no ano, a cotação recua 8,4%.
Ao mesmo tempo, o grande problema da economia americana, seu crescente endividamento, parece não ter uma solução fácil. Em quatro anos, a dívida dos EUA cresceu 25% e atingiu US$ 35,46 trilhões em 2024. Por causa disso, na semana passada, a agência de classificação de risco Moody’s se juntou à S&P e (à Fitch, que rebaixou os EUA em 2023) e também tirou a nota mais alta dos Estados Unidos – o rating caiu de “Aaa” para “Aa1”.
Como o governo americano não dá sinal de que pretende fazer um ajuste fiscal – ao contrário, o discurso de Trump é na direção de mais crescimento e, portanto, mais gastos –, a saída deve ser emitir mais dívida. Um jeito de fazer isso é vender títulos públicos para o Federal Reserve. E aí mais dinheiro entra em circulação e a inflação sobe. Isso significa, na teoria e na prática, perda do valor da moeda.
Apenas o começo?
Tem gente que acredita que esse cenário desfavorável para o dólar veio para ficar. O governo americano não tem como resolver o endividamento no curto prazo. E, diante dos riscos que isso representa, alguns bancos centrais, como o da China, do Japão e o da Coreia, já começaram a diminuir gradualmente o volume de Treasuries, os títulos do Tesouro dos Estados Unidos, em suas reservas.
No caso da China, estima-se que, só em 2019, o Banco Central tenha vendido cerca de US$ 20 bilhões em Treasuries. E que tenha voltado a se desfazer de um volume expressivo desses títulos em março deste ano.
Então, o que se viu até aqui poderia ser apenas o começo de um grande movimento de perda de valor do dólar?
É muito cedo para dizer.
Antes de tudo, vale lembrar que, em todos os episódios em que se discutiu a hipótese do dólar perder seu posto de principal moeda de reserva, as profecias mais negativas não se concretizaram, e a moeda americana voltou a ganhar valor. A explicação mais simples é que ainda não se descobriu uma outra moeda ou ativo que cumpra esse papel.
Mas existe uma outra razão para acreditar que esse movimento de queda do dólar pode ser apenas transitório. É que os investidores no mundo todo ficaram excessivamente expostos à moeda americana durante a pandemia da Covid. Naquele período de muita incerteza, foi a economia dos Estados Unidos a que se recuperou primeiro. E com força. Por isso, cresceram as compras de ações de empresas americanas – o que levou as bolsas a sucessivos recordes –, dos Treasuries e de dólares.
Agora, com o aumento dos riscos vindos da economia americana, faz sentido haver uma realocação do dinheiro global. Ou seja, trocar uma parte das posições em ativos americanos por outros que haviam perdido espaço nas carteiras dos investidores.
Efeitos por aqui
O Brasil é um bom candidato para receber uma parte desse dinheiro que está saindo do mercado americano. Afinal, os juros estão altos e as ações, desvalorizadas. E é esse novo fluxo de recursos externos que ajuda a explicar a valorização do real e a recuperação recente da bolsa – o Ibovespa acumula alta de 10% em 2025. Isso tudo sem que nenhum dos riscos que afastaram o investidor do país tenha sido resolvido – o mais grave deles, o quadro fiscal.
Seja como for, a queda do dólar é uma boa notícia para o Brasil, ainda que o movimento seja temporário – e tenha mais a ver com o mundo do que com a gente. Afinal, a valorização do câmbio pode ser uma boa aliada no esforço de reduzir a inflação.
Mas, como ainda não se tem clareza sobre o quão duradouro será esse movimento cambial, é melhor não contar com isso antes de se tomar qualquer medida – seja de juros, seja de gestão de dívida.
Fonte: Invest News